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No fundo, lá no fundo, aquele discurso de sempre era falho. Era apenas mais uma forma de se defender da solidão do que das investidas de quem não valia a pena. Era um pedido de ajuda: “olha pra mim, eu também quero ser dois”. E talvez fosse a forma mais difícil de fazer as pessoas entenderem que ela queria, tanto quanto qualquer um, caminhar com alguém do lado. Afinal, o fato de ser boa com as palavras não significava que ela soubesse dizer com todas as letras exatamente o que sentia, né?
Não achava complicado dizer que gostava de cafuné, de andar de mãos dadas, de dormir de costela… difícil mesmo era dizer que queria isso pra sempre. Difícil era admitir que sentia falta de ter com quem conversar todos os dias no café da manhã, de fazer planos para as férias, de ver tv com o outro grudado, de ter com quem contar quando precisasse de colo, de saber que era só estender a mão e encontraria sua metade ali, disponível, mesmo que fosse para não fazer nada. A tal da referência, sabe? Aquela pessoa para apresentar aos amigos e à família não como “um amigo”, mas como companheiro. Para aparecer nas fotos dos passeios mais legais, das farras com os amigos, de algum momento gostoso do dia-a-dia. Para conversar bobagem e sorrir e cantar junto. Para ter apelidos carinhosos e uma playlist exclusiva. Para não sentir vontade de estar com outro alguém.

Lembrou de uma frase que disseram dez anos atrás: “saia da sombra, é a sua hora de ver o sol”. Depois de muito tempo, sentia a sombra se dissipando, o medo indo embora e o sol querendo entrar pelas frestas que a muito custo conseguiu abrir. Deixou que entrasse. E tudo que queria era que jamais saísse dali.

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